dizem que a moda é coisa de mulher, mas ela é dominada por homens #03
se moda é coisa de mulher fútil, por que ela é tão cheia de homem?
Oies!
Há uns 15 dias, escrevi uma newsletter pra Giology que falava sobre dança das cadeiras na moda e como isso refletia em um mundo mais rápido e ansioso por mudança — sem dar tempo suficiente pras mudanças acontecerem de forma saudável.
Esse pensamento ficou na minha cabeça e, anteontem, tivemos mais uma atualização nessa tábua de xadrez: a Maria Grazia Chiuri saiu da Dior.
Mas diferentemente dos pensamentos que eu tive com as outras mudanças, essa vez me deixou até um pouco irritada.
É mais uma mulher perdendo um cargo de poder na moda.
Eu lembro que a primeira pessoa que eu contei sobre isso foi pra minha mãe e eu logo disse: “uma pena que é menos uma mulher como diretora criativa". E pior: com grandes chances de ser substituída por um homem. Branco. Provavelmente europeu.
Não vou ser hipócrita e dizer que era fã da MGC, mas ela fazia acontecer e a Dior parecia ver resultado, então quem era eu pra criticar? Além do mais, ela era uma das únicas representações femininas em uma indústria tão masculina.
Eu cresci vendo e ouvindo que a moda era coisa de menina e que a moda é sobre futilidade. Compras, consumismo, looks bonitinhos, estampas, chiliques por não ter o que vestir, e por aí vai… e, posso falar? Isso não mudou nada de lá pra cá.
Saca essa linha do tempo:
Em 2023, 8 das 30 maiores e principais marcas do mundo tinham mulheres na direção criativa.
Em março de 2025, o número subiu pra 10 (das 30).
Mas agora, em maio de 2025, o número já caiu pra 8 de novo.
Em dois meses, perdemos Maria Grazia Chiuri e Donatella Versace. Das diretoras criativas que ainda se mantêm firmes, muitas são as fundadoras das marcas, como Miuccia Prada (Miu Miu e Prada), as gêmeas Olsen (The Row) e Stella McCartney.
Esse cenário não se limita apenas aos cargos de direção criativa. Nos cargos executivos, como CEOs e CFOs, as mulheres continuam sendo minoria. Em 2022, 68.9% dos CEOs de marcas de moda globais eram homens.
Outro ponto é o (des)equilíbrio entre estudantes de moda versus profissionais de moda em altos cargos. Eu consigo contar nos dedos quantos designers de moda homens eu conheço. Na meus três anos de faculdade, inclusive, conheci apenas 3 — e essa não é só a minha realidade:
“Eu não posso ser a única que acha deprimente que 3/4 dos estudantes de moda da Central Saint Martins são mulheres, mas quase 90% dos maiores designers no mercado são homens.”
Lembra que eu falei que a ridicularização da moda por mulheres não mudou nada de uns tempos pra cá? Pois então, a citação abaixo é um comentário feito por um homem em uma publicação que questionava a ausência de mulheres nos cargos criativos da moda internacional:
Toda Maison que entrou uma mulher destruiu ela. Sarah transformou a McQueen numa boutique de shopping, a Virginie transformou os desfiles da Chanel em passarela baixa renda com acabamento Shopee, a Maria Grazia matou a Dior. Nenhuma sabe trazer drama e desejo, são apenas costureiras que fazem vestidos. Precisa mesmo de uma gay pra fazer o barro acontecer!
Pra mim, o problema não tá na opinião — vivemos em uma democracia e todo mundo tem seu direito — mas, percebem como é agressivo um discurso desse? Ainda mais porque o homem que disse isso é um mero seguidor, não é uma autoridade nem famoso no meio. Um homem qualquer.
Um cenário muito parecido é o da gastronomia. Já vi muitas mulheres relatarem que são diminuídas, ridicularizadas e invisibilizadas por chefs de restaurantes. Mas não são os homens quem dizem que lugar de mulher é no fogão? Então por que a gastronomia também é dominada por eles?
Não tenho uma resposta pra isso e tampouco sei como podemos mudar essa situação, porque é um grande problema estrutural. Das cadeiras executivas ao público geral, a palavra do homem sempre parece ter mais valor. Em pleno 2025.
Enfim, it's a man's world.
xoxo, Lella